Desafios da Universalização do Saneamento no contexto do Novo Marco Legal

A questão do saneamento básico no Brasil é tema de polêmicas e debates entre diferentes esferas de pesquisadores, movimentos sociais e formuladores de políticas públicas. Considerado elemento fundamental para qualidade de vida e melhoria na saúde pública, ainda há milhões de brasileiros que não têm acesso à água tratada, bem como a coleta de esgoto no Brasil encontra-se ausente para quase metade da população.

Autores: Equipe NUPS
Thelmo de Carvalho T. Branco Filho (Pós Doutorado IEA – USP)
Tadeu F. Malheiros (coordenação)
Amanda Francieli de Almeida (Doutorado PPGSEA EESC/USP)
Danielly de Andrade M. Freire (Mestrado PPGMPROASAS – FSP/USP)
Heloísa Pimpão Chaves (Doutorado PPGSHS EESC/USP)
Júlia Dedini Felício (Mestrado PPGSEA EESC/USP)
Luís Otávio do Amaral Marques (Mestrado PPGSHS EESC/USP)
Nayara Luciana Jorge (Mestrado PPGSEA EESC/USP)
Rafael Santos Carvalho (Mestrado PPGSHS EESC/USP)
Thalita Salgado Fagundes (Doutorado PPGSHS EESC/USP)

 

A questão do saneamento básico no Brasil é tema de polêmicas e debates entre diferentes esferas de pesquisadores, movimentos sociais e formuladores de políticas públicas. Considerado elemento fundamental para qualidade de vida e melhoria na saúde pública, ainda há milhões de brasileiros que não têm acesso à água tratada, bem como a coleta de esgoto no Brasil encontra-se ausente para quase metade da população.  Este tema fundamental ganha uma nova urgência diante do cenário da COVID-19, onde estas carências sanitárias aprofundam as desigualdades urbanas e corroboram para expansão da pandemia, que tem nas boas condições de saneamento uma das principais medidas de profilaxia.

Além disso, o tema do saneamento básico ganhou maior relevância diante da Lei nº 14.026, sancionada em 15 de julho de 2020, instituindo o Novo Marco Legal do Saneamento Básico no Brasil.

Assim, em outubro de 2020 realizou o Simpósio USP Cidades Globais IEA, com o tema: Desafios da Universalização do Saneamento no contexto do Novo Marco Legal, com o objetivo de promover diálogos dos diferentes aspectos da nova lei, sob múltiplos olhares do tema na perspectiva da questão urbana. Os palestrantes convidados trouxeram contribuições no sentido de compreender como as questões jurídicas e econômicas podem influenciar para o interesse do tema e obtenção de metas de universalização dos serviços públicos de saneamento básico. Este encontro contribuiu com a formação intelectual de pesquisadores especialistas em diversos segmentos das áreas urbanas, especialmente aqueles de interface do saneamento básico – abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagem urbana e resíduos sólidos.

Durante a realização do evento algumas indagações foram apontadas, como por exemplo: como está a situação da Universalização do Saneamento? Quais são os principais desafios? Como ficarão as metas e os investimentos previstos nos Planos de Saneamento Básico e nos contratos das concessões firmados entre os Municípios e as prestadoras de serviços de saneamento, sob a égide do Novo Marco Legal do Saneamento? Quais inovações tecnológicas poderão ser aplicadas visando a aceleração para as metas de Universalização?

De mais a mais, segundo o palestrante convidado, Rubens Filho, do Instituto TrataBrasil, além do desafio de 35 milhões sem acesso à rede de água, e os problemas de doenças de veiculação hídrica associadas, as mudanças climáticas devem piorar esta situação, e muitas operadoras de serviços de saneamento básico ainda não tem ações estratégicas previstas para o seu enfrentamento.

Na fala do palestrante André Castro, pesquisador da FIPE, a pergunta chave é de onde virão recursos para os investimentos que irão garantir a universalização?
Reforçou, inclusive, que os indicadores de desempenho dos serviços têm aumentado pouco nos últimos anos, um outro aspecto crítico, que deve ser observado.

Para o palestrante Wladimir Ribeiro, da seara jurídica, outra pergunta chave é: o que é o básico? Historicamente, num primeiro período acabou-se dando foco em água e esgoto e ainda hoje há esta confusão, ou seja, saneamento básico inclui os quatro serviços – água, esgoto, resíduos e drenagem urbana, conforme estabelece a Política Nacional de Saneamento. Destacou também, com relação ao direito humano ao acesso a água, alguns países, como a França, estão proibindo corte de água por falta de pagamento.

Luiz Roberto Pladevall pontua que o Marco Legal talvez não devesse ter metas, inclusive algumas são muito ousadas em relação à própria capacidade do sistema em atender, como por exemplo, com mão de obra preparada, e mesmo outros recursos necessários. É preciso fiscalizar questões como a corrupção, a transparência e a eficiência quando da prestação dos serviços.

Após a roda de conserva algumas questões centrais sobre o tema foram feitas pelos participantes do evento, a saber: Quais os fatores que a política pública de saneamento que não levou a uma política de governo? Na opinião dos palestrantes o modelo proposto está destinado ao fracasso? Há implicações para a gestão de resíduos sólidos urbanos

Para Rubens a problemática gravita entorno de onde está o recurso para saneamento básico?, uma vez que, não existe isto de forma clara nos orçamentos executivos. O que havia eram recursos espalhados em vários ministérios, altamente pulverizado, gerando uma deficiência técnica gigante nos pequenos municípios.

André destacou que, embora o saneamento básico compreenda quatro serviços, a separação da prestação destes serviços por empresas diferentes decorre da parte técnica de implementar os serviços, que são operacionalmente bem diferentes, ou seja, lógicas diferentes, o que mantém esta separação. Afirma que a Lei 11.445 de 2007 junta as ideias, mas não obriga que sejam prestados num mesmo contrato, o que está correto, segundo ele. O modelo do novo marco legal é interessante, mas a questão do fracasso ou sucesso, não dá para afirmar nada. A lei não obriga a parte de equilíbrio econômico financeiro, o que gera uma fragilidade.

De acordo com Wladimir Ribeiro, vê certo risco de um fracasso, pois não serão alcançadas as metas e não haverá recursos suficientes para isto até 2033. Destacou, por exemplo, que no Brasil está se perdendo a capacidade de saneamento rural, a Funasa já foi a melhor instituição no mundo e tinha apoio técnico e está sendo sucateada. Ou seja, há um problema maior ainda a ser gerido, para não se perder todo avanço que já está aí funcionando, e para isto, é necessário também prever recursos financeiros.

Para Pladevall, o fato de cobrar tarifa em resíduos sólidos é um bom ganho,
a descentralização dos financiamentos e ações fragmentam o sistema e não alavancam a implantação das políticas públicas e fica nas soluções simplistas. No PAC foram levadas soluções para obras e projetos e o governo decidiu fazer obras e não colocou recursos em planejamento. O uso político do setor não deixou avançar e o saneamento é complexo, devendo ser atacado neste contexto.

A discussão foi bastante proveitosa, e para um próximo seminário sugeriu-se a reflexão de como suprir recursos humanos para gestão e gerenciamento técnico no saneamento: água, esgoto, resíduos e também pensar a questão das águas pluviais e lembrar dos indicadores e monitoramento.

O que se conclui desta discussão?

A Figura 1. resume a discussão do evento a partir da matriz FOFA para analisar as forças, oportunidades, fraquezas e ameaças das políticas públicas em relação ao saneamento básico e os seus desafios: as colunas Força e Oportunidades indicam aspectos positivos e as colunas Fraquezas e Ameaças indicam aspectos negativos. No entanto, as colunas Força e Fraquezas revelam fatores internos, algo que se tem controle, e as colunas Oportunidades e Ameaças demonstram fatores externos, variáveis que não se tem controle.

 

Por conseguinte, longe de se esgotar o tema ora em apreço e de se chegar a alguma conclusão precisa, é necessário que estudiosos e praticantes se debrucem colaborativamente a respeito destas problemáticas apresentadas neste evento.

 O Simpósio USP Cidades Globais IEA, com o tema: Desafios da Universalização do Saneamento no contexto do Novo Marco Legal, ocorreu no dia 15 de outubro de 2020, sendo que a abertura do evento foi feita pelo Prof. Arlindo Philippi Jr, um dos coordenadores deste Centro de Síntese, que é o Cidades Globais. Para moderar os debates estiveram à frente, o prof. Tadeu Malheiros e o Pós Doutorando Thelmo Branco Filho, ambos organizadores deste acontecimento. Na composição da mesa redonda participaram especialistas na área de saneamento básico, de forma interdisciplinar, a saber: Rubens Filho, do Instituto TrataBrasil – comunicação; Wladimir Ribeiro, da seara jurídica; André Castro, da FIPE – economista; e Luiz Roberto Pladevall, da ABES – engenheiro.