Texto 3: Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico no Brasil

O Novo Marco Legal do Saneamento Básico, sancionado no dia 15 de julho do corrente ano, sob a égide da Lei nº 14.026 [4], vem sendo discutido de diferentes maneiras desde 2016, quando o ex-presidente Michel Temer começou a adotar medidas neoliberais em seu governo. A Casa Civil da Presidência da República foi responsável, na época, por iniciar essa discussão e formular o primeiro esboço de reforma do setor.

Autores: Equipe NUPS
Thalita Salgado Fagundes (Doutorado PPGSHS EESC/USP)
Thelmo de Carvalho T. Branco Filho (Pós Doutorado IEA – USP)
Tadeu F. Malheiros (coordenação)
Amanda Francieli de Almeida (Doutorado PPGSEA EESC/USP)
Danielly de Andrade M. Freire (Mestrado PPGMPROASAS – FSP/USP)
Heloísa Pimpão Chaves (Doutorado PPGSHS EESC/USP)
Júlia Dedini Felício (Mestrado PPGSEA EESC/USP)
Luís Otávio do Amaral Marques (Mestrado PPGSHS EESC/USP)
Nayara Luciana Jorge (Mestrado PPGSEA EESC/USP)
Rafael Santos Carvalho (Mestrado PPGSHS EESC/USP)

 

O Novo Marco Legal do Saneamento Básico, sancionado no dia 15 de julho do corrente ano, sob a égide da Lei nº 14.026 [4], vem sendo discutido de diferentes maneiras desde 2016, quando o ex-presidente Michel Temer começou a adotar medidas neoliberais em seu governo. A Casa Civil da Presidência da República foi responsável, na época, por iniciar essa discussão e formular o primeiro esboço de reforma do setor. A Medida Provisória nº 844, de 06 de julho de 2018 [5] causou espanto no setor ao ser publicada por suas mudanças emblemáticas, principalmente na mudança da regulação do setor e na indução à participação da iniciativa privada na gestão e operação dos serviços. Fruto das mobilizações e da oposição no Congresso, ou pela morosidade do Legislativo, a MP 844/2018 [5] caducou em 19/11/18, sendo ressuscitada pela Medida Provisória nº 868, em 27/12/2018, culminando por fim no Projeto de Lei nº 4.162/2019 [7] sancionado mês passado pelo presidente. Neste ensaio, pretende-se expor as alterações mais polêmicas e de maior repercussão no setor, e para isso, fez-se uma divisão de acordo com os assuntos abordados: modificações na regulação, na prestação de serviço, dentre elas, a prestação regionalizada e Contratos de Programas. 

A Lei nº 11.445/2007 [3] não foi substituída, e sim alterada pela Lei nº 14.026/2020 [4], e continua estabelecendo diretrizes nacionais para saneamento básico. No aspecto regulatório, atualmente, o Brasil possui diversas entidades reguladoras, que atuam em diferentes níveis (municipal, regional, estadual), cada qual com suas normativas econômico-financeiras, técnicas e operacionais. A Associação Brasileira de Agências de Regulação criou a Câmara Técnica de Saneamento no intuito de aprofundar discussões das metodologias adotadas Brasil afora. Mesmo assim, as agências ainda atuam com independência umas das outras na criação de suas normas. Ainda que a escolha do ente regulador seja do titular dos serviços (Poder Executivo Municipal), o Artigo 24 da Lei nº 11.445/2007 [3] permite que a prestação regionalizada seja regulada por um ente só, como ocorre nos municípios onde a SABESP presta os serviços, que têm a ARSESP como reguladora. Quando a prestação dos serviços de saneamento é realizada por empresas privadas, não funciona da mesma maneira, já que não se entende como prestação de serviços regionalizada. Logo, uma mesma empresa privada pode ser regulada por diferentes entidades reguladoras se possuir, por exemplo, Concessões em Estados diferentes, ou municípios cujos prefeitos escolheram entes reguladores diversos.

Considerando a visão de segurança jurídica para aumento de participação da iniciativa privada, da obrigação de adoção de diferentes normas regulatórias no Brasil, a alteração da regulação é um ponto essencial para incentivo deste cenário. Pensando nisso, uma das novidades trazidas pelo Novo Marco Regulatório do Saneamento foi a alteração das competências da Agência Nacional de Águas, incluindo a de edição de normas de referência de regulação dos serviços de saneamento, de observância indiretamente obrigatória por todas as agências de regulação do país. A proposta dá o poder de regulação para a ANA (mesmo que em termos de supervisão). Os entusiastas desta modificação observam a ANA como autarquia mais independente e longe de influências políticas locais, como de prefeitos e governadores nas decisões regulatórias. A adoção das normas de referência pelas demais Agências Reguladoras do país, apesar de ser defendida pelo governo como não obrigatória, é vinculada para alocação de recursos públicos federais a adoção daquelas, como observado no artigo 50. Acredita-se que a uniformidade das normas e atos regulatórios pode ser benéfica se realizada por profissionais extremamente capacitados no assunto. Se a intenção é incentivar a participação privada no setor, faz todo sentido o estabelecimento de uma entidade única e nacional para nortear a regulação, com a ajuda das agências subnacionais em especificidades locais. Com relação à prestação dos serviços, algumas mudanças de conceitos foram criticadas, e aqui vale mencionar sobre a Prestação regionalizada:

VI – prestação regionalizada: modalidade de prestação integrada de um ou mais componentes dos serviços públicos de saneamento básico em determinada região, cujo território abranja mais de um Município, podendo ser estruturada em:

a) região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião: unidade instituída pelos Estados, mediante lei complementar, de acordo com o §3º do art. 25 da Constituição Federal, composta de agrupamento de Municípios limítrofes e instituída nos termos da Lei nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015 (Estatuto da Metrópole);

b) unidade regional de saneamento básico: unidade instituída pelos Estados mediante lei ordinária, constituída pelo agrupamento de Municípios não necessariamente limítrofes, para atender adequadamente às exigências de higiene e saúde pública, ou para dar viabilidade econômica e técnica aos Municípios menos favorecidos;

c) bloco de referência: agrupamento de Municípios, não necessariamente limítrofes, estabelecido pela União nos termos do § 3º do art. 52 desta Lei e formalmente criado por meio de gestão associada voluntária dos titulares.

RIBEIRO (2019) [8] pontua que a autonomia municipal foi completamente ignorada, e provavelmente os Municípios irão alegar a inconstitucionalidade destes dispositivos. O cipoal de conceitos aparentemente costurados dá a impressão de atendimento a reclamações feitas por diversas entidades na edição da MP nº 844/2018 [5]. A principal crítica à MP 844 era de que a obrigação de abertura de licitação para a prestação dos serviços atrairia o setor privado apenas para cidades grandes, ricas e consequentemente rentáveis, excluindo cidades menores, sem capacidade de pagamento. Diversas emendas foram propostas para diminuir essa possibilidade, e aparentemente, a “solução” encontrada foram os blocos para serviços de saneamento. Outra polêmica, talvez a maior é relativa aos Contratos de Programa. A alteração do artigo 10 preconiza que a prestação dos serviços de saneamento que não integre a administração do titular depende de Contrato de Concessão, mediante prévia licitação, e veda novos Contratos de Programa (instrumento usual quando a prestação é realizada pelas Companhias Estaduais de Saneamento) sem licitação. As Companhias Estaduais de Saneamento foram criadas também com intuito de obter economia de escala e utilizar o superávit de cidades grandes e ricas para investimentos em cidades menores, cuja capacidade de pagamento dos usuários é pequena. Com a obrigação de se realizar licitação e abrir para a livre concorrência a prestação de serviços de saneamento, a preocupação de boa parte do setor é de que as empresas privadas se interessem somente em locais rentáveis, de lucro certo, deixando para as Empresas Estaduais todas as cidades pequenas, pobres e/ou com um grande volume de investimentos a fazer.

Apesar de discreto, o artigo 53-D deixa explícita a inclusão de saneamento em áreas informais consolidadas na política federal de saneamento básico, assunto que vinha sendo tratado separadamente por cada prestador de serviços. Há outras 3 menções sobre o assunto no decorrer do Novo Marco, que pode ser visto como mudança positiva. 

Diversas são as polêmicas do Novo Marco Legal do Saneamento Básico, mas a reflexão que fica é: a política da universalização, com a aprovação do Novo Marco Regulatório  terá como mote a cura desta chaga, que assola a toda sociedade, sobretudo, os aglomerados subnormais?

 

Referências Bibliográficas:

[1] BRASIL. 2005. Lei nº 11.107. Dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11107.htm

[2] BRASIL. 2005. Lei nº 9.984. Dispõe sobre a criação da Agência Nacional de Águas – ANA, entidade federal de implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e de coordenação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9984.htm

[3] BRASIL. 2007. Lei nº 11.445. Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico; altera as Leis nos 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 8.036, de 11 de maio de 1990, 8.666, de 21 de junho de 1993, 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; revoga a Lei no 6.528, de 11 de maio de 1978; e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/L11445compilado.htm

[4] BRASIL. 2020. Lei nº 14.026. Atualiza o marco legal do saneamento básico e altera a Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, para atribuir à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) competência para editar normas de referência sobre o serviço de saneamento, a Lei nº 10.768, de 19 de novembro de 2003, para alterar o nome e as atribuições do cargo de Especialista em Recursos Hídricos, a Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, para vedar a prestação por contrato de programa dos serviços públicos de que trata o art. 175 da Constituição Federal, a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, para aprimorar as condições estruturais do saneamento básico no País, a Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, para tratar dos prazos para a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, a Lei nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015 (Estatuto da Metrópole), para estender seu âmbito de aplicação às microrregiões, e a Lei nº 13.529, de 4 de dezembro de 2017, para autorizar a União a participar de fundo com a finalidade exclusiva de financiar serviços técnicos especializados. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L14026.htm#art7

[5] MEDIDA PROVISÓRIA Nº 844, DE 6 DE JULHO DE 2018. Atualiza o marco legal do saneamento básico e altera a Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, para atribuir à Agência Nacional de Águas competência para editar normas de referência nacionais sobre o serviço de saneamento, a Lei nº 10.768, de 19 de novembro de 2003, para alterar as atribuições do cargo de Especialista em Recursos Hídricos, e a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, para aprimorar as condições estruturais do saneamento básico no País. Disponível em:< https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7754160&ts=1567533849793&disposition=inline>

[6] OLIVEIRA FILHO, A. (2018). Impactos e consequências da Medida Provisória n° 844/2018 para o saneamento básico e a população brasileira. Disponível em:< https://ptnacamara.org.br/portal/wp-content/uploads/2018/09/Estudo-do-impacto-da-mudanca-do-Marco-Legal-do-Saneamento-Basico.pdf>

[7] PROJETO DE LEI Nº 4.162, DE 2019. Disponível em :< https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/140534>

[8] RIBEIRO, W. A. (2019). ANÁLISE SUMÁRIA DO SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE LEI 3.261/2019, APROVADO PELA COMISSÃO ESPECIAL DA CÂMARA DOS DEPUTADOS EM SESSÃO DE 30 DE OUTUBRO DE 2019.

[9] SOUZA, R.P. e ALVIM, T.C. (2019). Saneamento básico e insegurança jurídica: comentários à Medida Provisória 844/2018. Cadernos Jurídicos, São Paulo, ano 20, nº 48, p. 287-308, Março-Abril/2019