Texto 2: Recursos Hídricos e Mudanças Climáticas

‘Até que ponto os recursos hídricos estão sendo afetados pela mudança climática e quais as perspectivas futuras nesse sentido?’

 

Autores: Equipe NUPS
Luís Otávio do Amaral Marques (Mestrado PPGSHS EESC/USP)
Tadeu F. Malheiros (coordenação)
Amanda Francieli de Almeida (Doutorado PPGSEA EESC/USP)
Danielly de Andrade M. Freire (Mestrado PPGMPROASAS – FSP/USP)
Heloísa Pimpão Chaves (Doutorado PPGSHS EESC/USP)
Júlia Dedini Felício (Mestrado PPGSEA EESC/USP)
Nayara Luciana Jorge (Mestrado PPGSEA EESC/USP)
Rafael Santos Carvalho (Mestrado PPGSHS EESC/USP)
Thalita Salgado Fagundes (Doutorado PPGSHS EESC/USP)
Thelmo de Carvalho T. Branco Filho (Pós Doutorado IEA – USP)

Quando se trata do aquecimento global, sabe-se que cada indivíduo tem a sua percepção do assunto. Muito embora o respeito às diferentes opiniões seja inquestionável e o debate acerca do tema seja saudável, é preciso que se diferencie achismo de ciência. As mudanças climáticas infelizmente são reais e a ciência tem progressivamente trazido estudos e aplicações que corroboram este fato. O “Guia Científico do Ceticismo quanto ao Aquecimento Global” [1] é um documento assinado por especialistas de universidades do mundo todo, no qual constam os fundamentos técnicos que comprovam a ocorrência desse fenômeno climático.

O Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos 2020 [2] relaciona as mudanças climáticas, cada vez mais frequentes atualmente, com seus impactos observados e previstos nos recursos hídricos. Em nível nacional, a publicação de 2016 da Agência Nacional de Águas (ANA), intitulada de Mudanças Climáticas e Recursos Hídricos [3], também associa esses dois assuntos, avaliando impactos e propondo diretrizes para o fenômeno no Brasil.

Dentre os principais fenômenos decorrentes do aquecimento global, destacam-se períodos mais longos de estiagem, com secas mais intensas e aumento da ocorrência de eventos extremos de precipitação, como severas tempestades e volumosas nevascas.

Um exemplo desses eventos extremos a ser citado é o caso das fortes chuvas que atingiram a cidade de São Paulo em fevereiro de 2020, ocasionando alagamentos em vias importantes como as marginais Pinheiros e Tietê, paralisação de importantes linhas de trem devido às inundações dos trilhos, além de 16 desabamentos de terra, 192 pontos de enchente e 113 quedas de árvore, segundo o Corpo de Bombeiros [4]. Para Carlos Nobre, pesquisador do INPE, esse tipo de fenômeno costumava ser raro, mas, está ficando cada vez mais frequente: na década de 1940 ocorria em média uma vez a cada dez anos na cidade, hoje em dia a ocorrência é, no mínimo, anual [5]. Buckeridge e Ribeiro (2018), organizadores do Livro Branco da Água, publicação do Instituto de Ensinos Avançados (IEA) da USP, relatam nessa publicação os impactos da crise hídrica de 2014 e 2015 em São Paulo, bem como seus impactos e causas. Dentre essas, são citadas as mudanças climáticas [6].

No Canadá, uma onda de frio sem precedentes em termos de extensão territorial e duração bateu recordes negativos de temperatura em 2018, aproximando-se de -50ºC, o que é de 10ºC a 20ºC abaixo do esperado para a época, segundo a Agência Federal de Meio Ambiente do país [7]. Nos Estados Unidos, o inverno de 2017 causou espanto pelas suas temperaturas extremamente baixas, com neve e gelo até nas regiões onde o inverno costuma ser mais ameno, além da observação de mortes de tubarões no litoral de Massachusetts [8].

Na Austrália, cerca de um quinto das florestas do país arderam em chamas em janeiro de 2020 devido à seca que atingiu parte do país, segundo estudo da Western Sydney University. Os especialistas apontam que desde 2016 a precipitação nas regiões atingidas ficaram abaixo da média por 12 estações consecutivas, consequência das alterações climáticas. Para Andrew King, da Melbourne University, a probabilidade de reincidência de situação semelhante ou pior é alta [9].

Projeta-se que esses eventos serão cada vez mais frequentes e severos, causando consequências nocivas para a população e o meio. Como impacto nos recursos hídricos, pode-se citar a alteração nos regimes de cheias de rios, devido à ocorrência cada vez mais comum de tempestades mais intensas (com grandes inundações e deslizamentos de terra) e também períodos mais severos de secas (escassez hídrica). Como impactos socioeconômicos diretos e indiretos desses episódios, pode-se citar o aumento de processos migratórios mais frequentes, da pobreza e da desnutrição, da violência urbana e de gastos paliativos com infraestrutura por parte dos governos [2].

Em se tratando de saúde pública, os aumentos da frequência e das intensidades das chuvas, aliados ao aumento da temperatura do ar atmosférico, associam-se com o crescimento da variedade de criadouros favoráveis de vetores de doenças como dengue e malária, especialmente em regiões em que outrora apresentavam mais resistência a essa doenças devido ao clima frio, como norte da Europa e da América [2].

É previsto, também, que o consumo de energia elétrica aumente devido à cada vez maior demanda por aparelhos de ar condicionado e ventiladores, necessários em muitas localidades junto a temperaturas que estão a cada ano se elevando. No Brasil, cuja principal fonte de energia são rios, isso pode representar um impacto a médio prazo nas barragens e represas feitas para tal, que terão de atender uma maior demanda.

As perspectivas do relatório da UNESCO são de que, na América do Sul, a disponibilidade hídrica diminua cada vez mais e as secas se intensifiquem, alterando os regimes de vazões de grandes rios e seus afluentes, o que gera impacto direto na população e nas atividades econômicas. O documento destaca que pessoas mais vulneráveis socioeconomicamente, em especial mulheres, serão os mais afetados com as consequências dos eventos climáticos extremos e as mudanças climáticas nos recursos hídricos [2].

Para que os impactos sejam evitados ou minimizados, é fundamental que recursos sejam investidos tanto em ações de atuação preventiva (como mecanismos de incentivo a infraestruturas verdes e educação para o desenvolvimento sustentável) quanto nas que  minimizem os danos que inevitavelmente atingirão a população, com foco nas parcelas mais vulneráveis da mesma (como amparo econômico para vítimas de deslizamentos). É necessário que tanto o poder público, quanto a iniciativa privada enxerguem a importância de investimentos do tipo e seus benefícios não só nas condições de vida da população, particularmente na saúde, mas também na economia como um todo.

Referências Bibliográficas:

[1] Cook, John. O Guia Científico do Ceticismo quanto ao Aquecimento Global. Skeptical Science, 2010. Disponível em: <https://skepticalscience.com/docs/Guide_Skepticism_Portuguese.pdf>. Acesso em: abr. 2020.

[2] Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO). Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos 2020. Água e Mudança Climática: Fatos e Dados. Paris, 2020.

[3] Agência Nacional de Águas (ANA). Mudanças Climáticas e Recursos Hídricos: avaliações e diretrizes para adaptação. Brasília, 2016, 93 p.

[4] Cruz, Fernanda. Chuva intensa causa enchentes e paralisa o trânsito em São Paulo. Agência Brasil, 2020. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-02/chuva-intensa-causa-enchentes-e-paralisa-o-transito-em-sao-paulo>. Acesso em: abr. 2020.

[5] Vinha, Ana. Esse é o novo clima de São Paulo, diz cientista sobre chuva intensa. Portal R7, 2020. Disponível em: <https://noticias.r7.com/sao-paulo/esse-e-o-novo-clima-de-sao-paulo-diz-cientista-sobre-chuva-intensa-16022020>. Acesso em: abr. 2020.

[6] Buckeridge, M. ; Ribeiro, W. C. Livro branco da água. A crise hídrica na Região Metropolitana de São Paulo em 2013-2015: Origens, impactos e soluções. Instituto de Estudos Avançados (USP). São Paulo, 2018. 175 p.

[7] Presse, France. Onda de frio extremo sem precedentes atinge o Canadá. Portal G1, 2017. Disponível em: <https://g1.globo.com/mundo/noticia/onda-de-frio-extremo-sem-precedentes-atinge-o-canada.ghtml>. Acesso em: abr. 2020.

[8] Baixas temperaturas matam tubarões no inverno dos EUA. Portal O Globo, 2017. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/sociedade/baixas-temperaturas-matam-tubaroes-no-inverno-dos-eua-22241200>. Acesso em: abr. 2020.

[9] Agência Lusa. Estudo revela que um quinto das florestas australianas arderam devido à seca extrema. Portal Observador, 2020. Disponível em: <https://observador.pt/2020/02/24/estudo-revela-que-um-quinto-das-florestas-australianas-arderam-devido-a-seca-extrema/>. Acesso em: abr. 2020.